Teve Otelo a espantosa sorte de prender o coração de uma das mais formosas e ilustres senhoras, a loura Desdêmona. Entre tantos pretendentes poderosos e nobres que aspiravam a sua mão, Desdêmona escolheu Otelo, apesar da sua cor. Mas Desdêmona, que era uma senhora de grande coração e esclarecida inteligência, deixou-se encantar pela nobre alma e brilhante eloquência do destemido guerreiro. A sua maior delícia era escutar durante horas, as emocionantes narrativas da batalhas em que ele tomara parte, dos lances arriscadíssimos em que se encontrara, dos costumes e aspectos das terrar que visitara e das estranhas aventuras que o destino lhe proporcionara na terra e no mar.
Um daqueles homens era Yago, que servia Otelo havia muito tempo na qualidade de oficial e que o odiava desde que o general linha feito de Cássio seu ajudante, preferindo-o a Yago, que esperava ser o escolhido para aquele cobiçado lugar. Yago era astuto, hipócrita, rancoroso e capaz de vilanias; Cássio, pelo contrário, era franco e leal, mas muito confiante e de gênio fraco.
Naquela mesma noite a dedicação de Otelo pela pátria a qual tão bem servira sempre, foi novamente posta à prova; avisaram-no que a ilha de Chipre, da qual era governador, se encontrava em perigo, ameaçada pelos turcos.
O valente guerreiro partiu logo, deixando a sua esposa confiada aos cuidados do "honrado Yago", pois Otelo continuava a confiar na lealdade deste homem; e Emília, mulher de Yago, foi chamada para servir de companheira a Desdêmona. Cássio partiu num segundo navio e Desdêmona num terceiro.
Cássio foi o primeiro a chegar Chipre, tendo perdido de vista o navio de Otelo, durante uma tempestade; e Yago, que, com sua mulher e Desdêmona, tivera uma viagem mais rápida e feliz, alcançou a ilha antes da chegada do governador. O ódio de Yago e a sua inveja contra Cássio manifestaram-se imediatamente, e o seu cérebro malicioso e astuto principiou a forjar o laço pelo qual tencionava perder o ajudante, a quem Desdêmona tratava com mais confiança e simpatia do que ao hipócrita Yago.
Quando Otelo chegou, pouco depois de Desdêmona, teve a alegria de ser informado de que a esquadra turca fora destroçada pelo mesmo temporal que estivera prestes a afundar o seu seu próprio navio, pois assim, livre dos cuidados de guerra, teria mais tempo para se dedicar à sua adorada Desdêmona. Na noite da sua chegada, ordenou o mouro a Cássio que cuidasse de manter a ordem no castelo e que procurasse evitar por todos os meios qualquer distúrbio entre os soldados.
Entretanto o mesquinho Yago ia urdindo a sua trama. Convidando Cássio para beber com ele, tanto fez e de tal modo se portou que conseguiu embriagá-lo, e, metendo-o depois numa rixa, o infeliz Cássio, completamente ébrio, desafiou e feriu Montana, o governador da ilha, que Otelo justamente vinha substituir. Chegou este ao lugar da rixa, e, pedindo explicações do que acabava de de se passar, Yago contou-lhe hipocritamente os acontecimentos, fingindo querer desculpar Cássio. Otelo ouviu-o com atenção, e chamando Cássio disse-lhe com tristeza:
- Cássio, continuo a estimar-te, mas desta hora em diante, deixas de ser meu ajudante.
E entregou Yago a guarda do castelo. Assim teve bom resultado a primeira parte do seu negro plano de traição. Mas faltava o pior.
O pobre Cássio recorreu a Desdêmona para que intercedesse por ele junto d seu marido. Fê-lo a boa Desdêmona; mas Yago conseguiu, como um grande tratante que era, fazer pensar a Otelo que, se ela intercedia a favor de Cássio era porque se enamorara dele. Destilara com tanta hipocrisia e cuidado o veneno da dúvida no espírito de Otelo, que por fim o mouro começou a perder a fé imensa que tinha na sua esposa e tornou-se quase doido de ciumes. O destino favoreceu os perversos planos de Yago.
Antes do casamento, dera Otelo a Desdêmona um lenço muito rico, ao qual atribuía certos podres mágicos; o de tornar a sua dona amada e amável e o de a tornar odiosa se o perdesse. Yago instigou Emília, sua mulher, para que roubasse a Desdêmona este lenço.
Um dia, estando Otelo triste e atormentado com aquelas dúvidas que agora lhe não davam descanso, queixou-se de dores de cabeça. Desdêmona ofereceu-lhe o lenço, mas ela atirou-o ao chão, dizendo que era pequeno demais. Emília apanhou-o prontamente e logo o deu a Yago, que o levou dissimuladamente para a casa de Cássio, onde o deixou cair. Cássio, que não conhecia aquele lenço, pensou que uma sua namorada o tivesse perdido e Yago arranjou as coisas de maneira que ele lhe mostrasse o lenço num certo quarto do castelo onde Otelo se escondera, para verificar se era o de Desdêmona, e ter assim a prova de que ela dera a Cássio aquela prenda oferecida pelo marido e que devia ter em tanta estimação.
Convenceu-se então que Desdêmona já não o amava, e, louco de ciumes e de dor, resolveu-se a matá-la. Entrou de noite no quarto de Desdêmona, onde a encontrou adormecida no seu leito. Contemplou-a por um momento, e achou-a tão linda que se inclinou e beijou-a. Este beijo despertou-a e, em resposta às perguntas que ela lhe fazia ao vê-lo tão zangado e sem suspeitar a causa do seu desgosto, disse-lhe ele que fizesse as suas orações encomendando a alma a Deus, pois ia morrer, porque ele bem conhecia o seu amor por Cássio. Em vão a infeliz Desdêmona protestou a sua inocência e lhe assegurou com a expressão mais pura e sincera da verdade o seu profundo amor. Otelo, enfurecido pelo ciúme, cobriu-a com a roupa da cama e estrangulou-a.
Não estava porém ainda morta quando a porta do quarto se abriu e Emília, que ouvira o ruído da luta, entrou precipitadamente e contou a Otelo todas as mentiras e intrigas de Yago, exclamando que o mouro enganado por aquele tratante, tinha assassinado uma santa, cujas últimas palavras tinham sido de expressão do seu profundo amor pelo marido.
Nesse momento entrou Yago e, vendo-se denunciado por sua mulher, apunhalou-a cheio de raiva e quis fugir em seguida; porém, agarrado pelos servidores de Otelo, trouxeram-no estes à presença de seu amo que, cheio de furor, o feriu de morte.
Compreendendo, no meio da sua terrível dor, quanto fora imbecil fiando-se numa tão mesquinha e torpe criatura como era Yago, a ponto de desconfiar de uma esposa tão fiel, dedicada e boa, Otelo, desesperado, apunhalou-se, e, caindo sobre o corpo da inocente e linda Desdêmona, exclamou, já nas ânsias da agonia:
- Oh! minha Desdêmona! Antes de te matar beijei-te; o que havia eu fazer depois, senão matar-me também e morrer abraçado a ti!
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