lunes, 12 de agosto de 2019

OTELO CATARINENSE


O espetáculo Otelo foi contemplado pelo prêmio Funarte Myriam Muniz 2013, na categoria montagem e pelo Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013, da Fundação Catarinense de Cultura. A peça escrita por volta do ano de 1603, tem na montagem da Persona Cia de Teatro, uma nova leitura: o ambiente contemporâneo de uma bem-sucedida empresa. Neste lugar é que se desenvolve a trama da peça e toda a riqueza extraída do texto shakespeariano.
O espetáculo narra a história de Otelo, presidente de uma importante empresa, que é levado a cair na armadilha de sua secretária, Iara. Ela convence Otelo de que ele está sendo traído por sua esposa, Desdêmona. Temos assim, a história de um homem que é levado aos limites da ira por causa de seu ciúme. Otelo é conduzido a cair na armadilha de Iara, composta por um jogo cínico e diabólico.

Do desejo poético de trabalhar um texto do dramaturgo inglês, do interesse pelo ciúme, ódio e afetividade intensa presentes em sua obra e, ao mesmo tempo, da intenção de abordar questões do mundo empresarial, fez-se o “Otelo” de Jefferson Bittencourt. “Sempre imaginei que esse universo de cavaleiros e de príncipes fosse um pouco mais distante. Então pensei em trazer esses afetos a um ambiente mais reconhecível pelo público”, explica.
O ponto de partida foi a tradução da brasileira Beatriz Viégas-Faria, da L&PM Pocket, versão ganhadora do Prêmio Açorianos de Literatura em 2000. “Ela me possibilitou ter essa linguagem, pois é uma tradução muito teatral. A partir disso, trouxe para a linguagem de encenador, mais onírica, com drama, com a música. Esse ambiente do ódio, da ironia, e das palavras, começou a me instigar no momento que eu vi uma remodelação contemporânea”, reflete Bittencourt.Se a partir dos textos originais as montagens duram entre 3h e 4h30, Jefferson reduziu o espetáculo para 1h30. Passou de 200 para 60 páginas, tomando o cuidado de primar pela narrativa e mantendo detalhes importantes para que as pessoas possam entender os desdobramentos. “Existe uma transformação muito forte dos personagens, do começo para o fim, e isso não pode ser feito em 40 minutos. É o tempo de você ver uma transformação que possa ser crível”, afirma.
Conhecido pelo sucesso “A Galinha Degolada” (de 2008), ele manteve a tradição da Persona Cia. de Teatro e optou pelo drama. “Comecei a ler vários textos do autor e esse foi o que mais interessou, pelo ciúme, o ódio, os afetos intensos que têm o texto”, diz.
Ao revisitar Shakespeare, o diretor passou por uma transformação em sua carreira e concluiu que todo diretor teatral precisa, um dia, fazer isso. Sua função, neste caso, é servir de ponte entre o espectador e a obra.  “Se eu conseguir fazer as pessoas se tocarem com a obra e inclusive ir atrás da obra dele, está ótimo. Esta é minha contribuição para que a gente possa entender mais a complexidade humana através de um sujeito que sempre entendeu muito bem disso”, considera.
Retrato das paixões humanas
Com 14 anos de experiência na direção de espetáculos, e com trabalhos no cinema e na música, Jefferson Bittencourt conta que se viu diante de um grande desafio ao dirigir Shakespeare. “É muito difícil, é um autor grandioso e sabe muito bem retratar as paixões humanas na escrita”, destaca. “Ele tem essa fórmula, pois você vê que há trechos que são escolhas de palavras. A tradução de afetos na escrita é muito difícil, é uma arte de escritor – e ele é, acima de tudo, um grande escritor”.
O grau de dificuldade só aumentou quando ele passou para a fase seguinte e percebeu que mais difícil que conseguir roteirizar um texto dessa envergadura era dar corpo, voz e imagem à trama.
Para isso a Persona, que tem fixos apenas o diretor e a produtora Giselle Kincheski (interprete de Bianca), manteve a mesma tática de “A Galinha Degolada” e optou por atores “escolhidos a dedo”, de acordo com a característica dos personagens. “Além da interpretação, fui muito pelo visual. Tipo essa pessoa é ideal para fazer a Desdêmona [Raquel Stüpp], esta outra, além de boa atriz, tem o tipo físico ideal para interpretar a Iara [Luciana Holanda]. Isso já é meio caminho andado, pois quando o ator tem experiência eu posso canalizar certas coisas para o personagem”, afirma. Além delas, o espetáculo tem Rafael Zanetti, como Otelo, Cleistenes Grött, como Cássio, e Valéria de Oliveira, interpretando Emília.

Dizem que foi Shakespeare quem inventou o humano, tamanha a complexidade com que esmiuçava emoções e a própria alma humana. Se inventou o humano, foi ele quem também — diz-se — conseguiu pela primeira vez personificar o mal com criaturas tinhosas como Iago, antagonista da peça Otelo, escrita em 1603. Mais de quatro séculos depois, a companhia catarinense Persona, de Florianópolis, dá vida nova ao personagem. Na adaptação do músico e diretor de teatro Jefferson Bittencourt, Iago é uma mulher, Iara, materialização de sentimentos como inveja, ciúme e orgulho e que articula uma tragédia tipicamente shakespeariana. Com performance arrebatadora da atriz Luciana Holanda, o espetáculo estreia amanhã no Teatro Álvaro de Carvalho, na Capital. A apresentação é gratuita.
Na adaptação, em vez de cavaleiros a guerrear e disputar cargos de poder na antiga Veneza, na Itália, a história se passa na contemporaneidade, no ambiente polido, porém cínico, de uma empresa. Gira em torno de quatro personagens: Otelo (Rafael Zanette), presidente da empresa; Iara (Luciana Holanda), sua secretária; Desdêmona (Raquel Stüpp), sua mulher; e Cássio (Cleístenes Grött), amigo e funcionário. Na trama, a secretária convence Otelo de que está sendo traído por Cássio e Desdêmona, num jogo de cinismo em que a palavra é uma arma mortal.
A montagem partiu do trabalho de Beatriz Viégas-Farias, tradutora da editora L&PM Pocket, que manteve a teatralidade da peça.
— A tradução possibilitou criar esse outro universo, o empresarial, o qual há algum tempo eu gostaria de trabalhar e onde existem essas questões como disputas de poder, ainda atuais — afirma Jefferson Bittencourt.
Apesar de cenário minimalista e estilizado de um escritório, do figurino contemporâneo, da montagem mais enxuta de uma hora e meia — o original é encenado em até três horas — o diretor optou por preservar a riqueza dos diálogos e a mesma linguagem formal, rebuscada da época de Shakespeare.
Bittencourt também imprime sua identidade ao propor viagem ao universo onírico de Otelo, como na cena em que, doente de ciúmes, o personagem fantasia Desdêmona, sua doce e pura mulher, como uma sensual crooner, aquelas cantoras da era de ouro do rádio.
Drama no teatro
Temas densos, drama e o trabalho com musicalidade fazem parte da linguagem da Persona Cia de Teatro, grupo reconhecido por espetáculos como A Galinha Degolada, de 2008, que levou a companhia a se apresentar em Londres.
— Percebo que o público sente falta de peças dramáticas. Acho que vivemos um momento de excessiva ironia. Artisticamente o drama é muito potente. Não há crítica, é apenas contar uma história — afirma o diretor.
O espetáculo foi contemplado pelo prêmio Funarte Myriam Muniz 2013, na categoria Montagem, e pelo Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013, da Fundação Catarinense de Cultura. A estreia ocorre no ano em que se celebra o aniversário de 450 anos de Shakespeare. Em todo o mundo estreiam montagens baseadas na obra de um dos maiores dramaturgos do Ocidente.
Após a primeira temporada em Florianópolis, a peça será apresentada em Itajaí e depois volta para outra curta temporada na Capital. Na sequência, o grupo planeja circular com o espetáculo por Santa Catarina e por todo o Brasil.


Esquerda-direita: Emília, Iara, Otelo, Desdêmona, Cássio e Branca











“Otelo”, de William Shakespeare, apresenta em seu enredo temas variados como ciúme, traição, racismo e amor. A peça se passa em Chipre colonial de Veneza. Otelo, um general mouro e negro, apaixona-se por Desdêmona e casa-se com ela, mesmo contra a vontade do senhor pai dela. O conflito principal é gerado por Iago, invejoso subordinado de Otelo, sente raiva pois Otelo promove Cassio a tenente. Desejando vingança, Iago convence Otelo de que Desdêmona o atrai com Cássio. Tomado pela dúvida e ciúme, Otelo acaba matando sua esposa asfixiada. É uma peça com características psicológicas marcantes, mostra os excessos e atitudes precipitadas que levam a erros irreparáveis, uma abordagem que aparece em diversas peças como em “Romeu e Julieta”.
Bárbara Heliodora em seu texto “Otelo, uma tragédia Construída sobre uma Estrutura Cômica” relaciona a obra “Otelo” com a Commedia dell’arte. De fato, é fácil aproximar vários elementos da comédia à estrutura da peça, mesmo está sendo uma tragédia. Os personagens apresentam características da Commedia Dell’arte, como Iago que se assemelha ao Zenni ou Briguela, um criado que age por interesse próprio querendo a promoção, o casal de enamorados como o casal principal, e o objeto que tem um importante papel, desempenhado pelo lenço de Desdemona. A peça parece uma comédia, até certo ponto, se espera que o conflito se resolva ou que algum fato esclarecedor aconteça para a sua resolução, mas isso não acontece, o conflito cresce em uma proporção exagerada que leva a morte de personagens. A peça é muito ampla e diversificada, no sentido de que, pode se pensar em várias interpretações, sendo amplamente discutida, por exemplo, seria o Iago um “alter ego” de Otelo?
Em Florianópolis, a companhia Persona Cia de Teatro, dirigida por Jefferson Bittencourt, estreou seu espetáculo “Otelo”, baseada na obra de Shakespeare. Uma adaptação contemporânea, que modificou alguns elementos da peça como: a história se passa em uma empresa; o responsável pelo conflito Iago é transformado em Iara, uma secretária; Otelo é loiro e presidente da empresa; o pai de Desdêmona foi retirado da peça. Isso gera alguns questionamentos se comparada com a obra original. Será que mudanças como essas podem comprometer a história? Agregam novas interpretações ou significados diferentes?
Já em sua estreia, o espetáculo “Otelo” dirigido gerou opiniões opostas sobre a qualidade de seu conteúdo. É uma proposta diferente, sem dúvida, que por vezes parece desviar do objetivo ou do tema. As mudanças realizadas na peça, como um Otelo loiro não parece significar nada, e nem leva a outra interpretação. A mudança de Iago por Iara, já apresenta uma mudança significativa assim como também o ambiente se tratar de uma empresa, onde os princípios éticos são outros e o comportamento esperado é completamente diferente. O uso abusivo de drogas e bebidas alcoólicas proporcionou um lado cômico apreciado pela plateia, porém, trouxe outra característica para a personagem. O lenço, um elemento importante para o enredo, parece não se encaixar no contexto atual da adaptação, assim como a mistura de falas formais da obra original com a maneira de falar do dia a dia, uso de palavrões e expressões bem atuais. Na peça, apenas a história se manteve, alguém que, por interesse, influência o marido ciumento a acreditar em uma traição, que acaba com um desfecho trágico. Se analisarmos os personagens elaborados por Shakespeare, parece haver um distanciamento da essência dos personagens que se aproximavam da Commedia dell’arte. Será que isso é suficiente para prejudicar a qualidade da peça?
A adaptação apresenta fatores muito interessantes como iluminação, cenário e trilha sonora, bem administrados pelo diretor. Independente das opiniões, vale a pena ser assistida, assim como qualquer outra peça, ou até mesmo filmes, baseadas nas obras de Shakespeare.


******* Rafael Zanette em 1ª pessoa  **************************


O espetáculo Otelo teve o seu processo de montagem iniciado no mês de novembro de 2013, a partir da iniciativa do músico e diretor Jefferson Bittencourt(10). Nesse espetáculo, a minha participação se dá como ator convidado da Persona Companhia de Teatro, de Florianópolis, já que não faço parte de equipe de seus integrantes fixos.
Contemplada pelos prêmios Funarte Myriam Muniz 2013 e Elisabete Anderle de
Estímulo à Cultura 2013 da Fundação Catarinense de Cultura, a peça teve seu processo de montagem concluído em 06 meses. Sua estreia oficial ocorreu no dia 22 de maio de 2014 no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, após uma pré-estreia para a imprensa no dia 06 de maio, no Teatro da UBRO.
O espetáculo foi montado a partir do texto do escritor inglês William Shakespeare (1564-1616), Otelo, O Mouro de Veneza, obra escrita por volta de 1604 e publicada pela primeira vez em 1622.
A tradução para o português utilizada no processo foi a de Beatriz Viégas-Faria, tendo a tradutora recebido o Prêmio Açorianos de Literatura no ano de 2000, na categoria Tradução em Língua Inglesa. Torna-se pertinente relatar o enredo da peça original, o que faço a seguir.
A tragédia Otelo, O Mouro de Veneza conta a história de um fiel, dedicado e
experiente general mouro a serviço do reino de Veneza que se vê envolvido numa trama de ambição, inveja, ciúme e morte. Iago, alferes do general, é tomado pelos sentimentos de ódio e de vingança quando Otelo promove Cássio para o posto de tenente. Iago acreditava que esse cargo deveria ser seu pelo simples fato de possuir maior experiência.
A partir de então Iago, que é considerado um dos maiores vilões do universo teatral, elabora um plano maquiavélico para destruir seus oponentes.
Em virtude de uma tempestade, os navios são separados durante a viagem e
Desdêmona chega antes à ilha de Chipre. Otelo desembarca alguns dias depois com a notícia de que a embarcação turca havia sido destruída pela fúria do mar. A batalha havia terminado antes mesmo de começar.
Em Chipre, Iago continua a articular seu plano de vingança contra Otelo e Cássio. Através de artimanhas e manipulações, começa a plantar na alma de Otelo a semente dos tormentos causados pelo ciúme. Suas manobras incluem preencher a mente do seu general com imagens de um possível caso amoroso entre Cássio e Desdêmona. O general então, tem sua confiança e seu orgulho minados pelas palavras de Iago, que dão conta de que Cássio, detentor de uma beleza e eloquência que agradam as mulheres, poderia estar com segundas intenções em relação à sua bela esposa, Desdêmona.
Cássio era um jovem soldado florentino e, apesar de ser um amigo leal de Otelo –servira de intermediário nas relações entre o general e Desdêmona – era o tipo de homem capaz de despertar o ciúme em um homem de idade avançada como Otelo.
Iago levou Cássio a se embriagar e se envolver em uma briga durante uma festa que os habitantes da ilha de Chipre ofereciam a Otelo. Sabendo do ocorrido, o general destituiu Cássio de seu cargo. Aproveitando-se da situação, Iago sugere a Cássio que a punição havia sido severa demais e que ele deveria pedir a Desdêmona para que ela intercedesse junto a Otelo pela restituição de seu cargo.
Cássio aceita e agradece o conselho de Iago, decidindo solicitar a Desdêmona para que ela convença Otelo a lhe devolver sua posição. A partir daí, Iago insinua que Desdêmona, dando atenção sincera aos pedidos de Cássio e insistindo com seu marido para que lhe restitua o cargo de tenente, possa estar considerando-o como mais do que um simples amigo. Assim, a semente da desconfiança cresce na mente de Otelo.
Iago tinha conhecimento de que Otelo havia dado de presente à Desdêmona um
singelo lenço que ele havia herdado de sua mãe. O lenço era um símbolo importante do amor profundo do general por sua bela esposa e ele acreditava que, enquanto ela o guardasse consigo, o casal teria garantida a sua felicidade. Desdêmona acaba por perder o lenço e Emília, sua ama e esposa de Iago, o encontra. Iago, após tomar posse desse precioso artefato arrancando-o à força das mãos de Emília, relata a Otelo que sua esposa o havia dado de presente ao seu amante, Cássio.
O general, já perturbado e bastante enciumado, pergunta a Desdêmona sobre o
paradeiro do lenço. A jovem esposa, ignorando que o lenço estava com Iago, não soube explicar o que havia acontecido com ele. Nesse meio tempo, Iago havia deixado o lenço no quarto de Cássio para que ele o encontrasse.
Em seguida, Iago faz com que Otelo ouça escondido uma conversa sua com Cássio. Os dois falam de Bianca (Branca), amante de Cássio, mas tendo ouvido apenas algumas partes da conversa, Otelo ficou com a impressão de que eles falavam de Desdêmona. Nesse momento, Bianca chega e Cássio lhe entrega o lenço para que ela providencie uma cópia. Otelo fica extremamente transtornado ao imaginar sua esposa desprezando seu amor, dando o lenço para
outro homem. As consequências disso servem de desfecho para a peça. Iago, tentando garantir que seus planos não sejam descobertos, tenta matar Cássio, porém sem sucesso, deixando-o apenas ferido.
O general, completamente fora de si, acaba por matar Desdêmona em seu quarto.
Emília, ao saber do ocorrido, revela ao general que tudo havia sido tramado pelo seu marido e que Desdêmona jamais havia sido infiel. Iago mata Emília e foge, sendo logo capturado.
Otelo, desesperado por haver assassinado sua esposa injustamente, comete suicídio.
Omissões de personagens e trechos da obra se fizeram necessárias na adaptação, desenvolvida em conjunto pelo diretor e pelo elenco ao longo do processo de ensaios. Na adaptação da Persona Companhia de Teatro, a trama de Otelo ganhou uma versão contemporânea e muitos de seus elementos originais foram transformados.
Podemos destacar as transformações mais importantes como sendo: o espaço/tempo onde se desenrola a história (em uma grande empresa dos tempos atuais), o fato do personagem Iago ser transformado numa personagem do sexo feminino (Iara) e o mouro Otelo ser interpretado por um ator de etnia branca.
Essas e outras transformações que nortearam a montagem deste espetáculo serão detalhadas e analisadas no decorrer deste capítulo. O intuito é justamente apresentar ao leitor os pormenores que envolveram o processo, caracterizando a apreensão de novos significados no teatro que pude perceber, na tentativa de conectar essa experiência ao meu percurso acadêmico.
Inicialmente, será relatada a trajetória da Persona Companhia de Teatro, tratando de contextualizar Otelo dentro da estética teatral a que o seu diretor se propõe. Em seguida, a ideia é descrever os elementos que se fizeram presentes no processo de adaptações, leituras de mesa, criação, estruturação e ensaio das cenas, na tentativa de expor o que efetivamente influenciou o resultado da montagem. Finalmente, um relato das apresentações ao público e
suas reverberações nos envolvidos e no crescimento do espetáculo.
No decorrer deste trabalho serão incluídos os pensamentos e as impressões do diretor do espetáculo, captados a partir de entrevista realizada de maneira informal. Dessa forma, procuro enriquecer o conteúdo, fornecendo olhares distintos a respeito do processo como um todo em relação aos objetivos deste relato.



3.1. A PERSONA COMPANHIA DE TEATRO


A companhia foi fundada em 2001 a partir da motivação conjunta de 05 artistas:
Jefferson Bittencourt, Glaucia Grigolo, Maria Paula Bonilha, Rogério Christofoletti e Igor Lima. Na época, o grupo havia se reunido com o intuito de montar uma espetáculo teatral chamado “F”. A partir das afinidades pessoais e do desejo de empreender outros projetos em conjunto, o grupo decidiu por fundar a Persona Companhia de Teatro.
Com 06 montagens teatrais em seu portfólio, passaram pela companhia diversos
artistas de expressão no cenário florianopolitano. Atualmente, além do seu diretor, Jefferson Bittencourt, seus integrantes são: Cleístenes Grött, Raquel Stüpp e Giselle Kincheski. Sua sede fica na Camarim Escola de Artes, na parte continental de Florianópolis, onde são ministradas oficinas de teatro, música instrumental e canto.
Com uma estética própria, os espetáculos teatrais desenvolvidos pela Persona, segundo informações captadas em conversas informais com Jefferson Bittencourt, são pautados pela construção cênica através dos atributos que compõem a musicalidade e caracterizados pela presença de personagens não realistas, construídos a partir de uma reflexão profunda sobre os problemas existenciais do ser humano.
Graduado em Música pela Universidade do Estado de Santa Catarina e responsável pela direção de todos os espetáculos da companhia, Bittencourt parece primar pela relação da música com o palco. Como em todas as outras peças da Persona, a musicalidade ocupou um papel importante na criação do espaço ficcional de Otelo desde os primeiros ensaios, impregnados por melodias marcantes que me pareceram decisivas na construção do ambiente que se esperava criar.
Segundo o diretor de Otelo, a música se torna uma ferramenta técnica na construção da narrativa, determinando o tom de voz, o momento da fala e a movimentação dos atores pelo palco. Ao mesmo tempo, ela é também elemento que determina o andamento atmosférico e simbólico da cena, colaborando com a criação de determinados ambientes ficcionais juntamente com o texto, com o tema do espetáculo e com a trajetória dos personagens.
Jefferson Bittencourt transita também pelo cinema, tendo produzido e dirigido
diversos curta metragens. Dessa forma, as montagens empreendidas pela Persona Companhia de Teatro flertam com nuances da linguagem cinematográfica, ressaltando detalhes em cena que parecem ser enquadrados pelo zoom de uma câmera filmadora. Em alguns momentos, a
intenção é criar uma espécie de close-up imaginário, trabalhando-se com a luz e com a perspectiva de corpos e objetos em cena.
A seguir faremos um apanhado das peças produzidas pela Persona Companhia de Teatro de 2002 a 2014, com uma breve descrição a respeito de cada uma delas. As fontes que utilizamos para ordenar as informações e descrever os espetáculos foram o web site oficial da companhia, vídeos e fotos disponíveis na internet e um relato informal do seu diretor a respeito de cada uma das peças.
O primeiro espetáculo chama-se “F” e foi montado em 2002. No elenco, Maria Paula Bonilha, Glaucia Grigolo, Igor Lima e Malcon Bauer. Com texto de Rogério Christofoletti, a peça tem uma forte influência visual do Movimento Expressionista(11), trazendo ao palco o medo, a agonia e a dor do ser humano frente às suas fragilidades e limitações. Inspirado no universo do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), o espetáculo traz personagens atormentados pela deformidade física e de caráter, a procura de uma solução para a miséria de suas existências.
11 O expressionismo foi um movimento artístico que surgiu no final do século XIX e início do século XX como uma reação à objetividade do impressionismo, apresentando características que ressaltavam a subjetividade. No expressionismo não há uma preocupação em relação à objetividade da expressão, mas sim com a exteriorização da reflexão individual e subjetiva dos artistas.
Ainda em 2002, a montagem E.V.A. foi lançada pela companhia. Com uma estética que perpassa pelos universos da dança e do teatro, a peça expõe as nuances das relações entre criador e criatura. Em cena, apenas dois atores vivendo esse conflituoso relacionamento, tentando encontrar respostas para as angústias geradas pelo simples ato da criação. Sandra Meyer e Igor Lima fizeram parte do elenco de E.V.A. e o texto foi assinado por Christiano de
Almeida Scheiner.
Em 2004 foi a vez do espetáculo Castelo de Cartas, estrelado por Gláucia Grigolo, Igor Lima e Malcon Bauer. Com texto de Rogério Christofoletti, o espetáculo traz à cena, a exemplo dos outros trabalhos da Persona, personagens esteticamente não realistas que se utilizam da complexidade psicológica para estimular no espectador, quem sabe, uma autoanálise mais profunda sobre o ser humano. A trama conta a história de uma enfermeira que se vê inserida no contexto de um casal que mantém uma estranha e intensa relação.
Dois anos depois, a partir de uma adaptação da peça teatral de Tennessee Williams, The Glass Menagerie – no Brasil, conhecida como À Margem da Vida ou Algemas de Cristal – nasce o espetáculo Nem Mesmo A Chuva Tem Mãos Tão Pequenas. A peça conta a história de uma família sem pai. A partir de recordações do filho, a passagem do tempo é representada diante dos olhos do público, em um jogo de encenações claro e aberto. No elenco, Gláucia Grigolo, Igor Lima, Malcon Bauer e Melissa Pretto.
Em 2008, a Persona monta A Galinha Degolada, a partir do conto homônimo de
Horacio Quiroga. A peça conta a triste história de um casal que se vê diante do conflito diário com a doença de seus 04 filhos, a idiotia – terminologia usada para doenças mentais à época do conto. O nascimento no seio familiar de uma menina sem os sintomas da doença, traz à tona todas as consequências do descaso e da falta de amor que sempre se fizeram presentes naquela casa.
Esse espetáculo contou com a parceria de outro grupo relevante no cenário teatral de Florianópolis, o Teatro Em Trâmite. No elenco, André Francisco, Gláucia Grigolo, Loren Fischer e Samanta Cohen.
Em 2014, depois de um hiato de seis anos, a montagem de Otelo toma forma nas bases estéticas da Persona Companhia de Teatro. Seguindo a tendência de todos os espetáculos anteriores, a peça tenta enfatizar toda a complexidade emocional e psicológica do ser humano. Além disso, a música, sempre presente de forma contundente, é fator determinante nas dinâmicas empreendidas pelos atores em cena.
A partir de um olhar sobre os espetáculos da companhia, parece evidente que,
independentemente dos textos que lhes servem de base, seus personagens buscam, quase sempre, posturas que fogem do realismo. Tal postura é acentuada na maneira com que certos elementos – como luz, sombras, sonoplastia, silêncio e movimentações no palco – se inserem na montagem.
Mesmo que a narrativa dos espetáculos busque construir sentido dentro do que
chamamos realidade, a estética teatral da Persona parece querer representar outros lugares onde uma realidade diferente poderia existir. Os personagens então, passam a transitar também por estes outros lugares, criados pelo que o diretor Jefferson Bittencourt chama de buracos de sonho. Assim, os acontecimentos parecem obedecer à uma espécie de coreografia de ações que levam o espectador ao espanto e, paradoxalmente, à identificação.


3.2. O PROCESSO DE MONTAGEM


A montagem do espetáculo Otelo apresentou diversos desafios que encontram paralelo naqueles que foram enfrentados no processo de criação de Insólito. Na mesma medida, apresentou diferenças importantes que, assim como as semelhanças, ativaram diferentes percepções daquilo que apreendi no meu percurso acadêmico e na minha perspectiva do fazer teatral, enquanto ator.
Conforme já mencionado, a minha participação nesta montagem se deu através do convite da Persona Companhia de Teatro. Em meados de agosto de 2013, recebi um telefonema do diretor Jefferson Bittencourt, perguntando se eu estava interessado em fazer parte do elenco da montagem Otelo, interpretando o personagem que dá nome à peça.
Jefferson havia assistido Insólito no Teatro da Igrejinha da UFSC, no dia 18 de agosto de 2013 – por indicação do orientador deste trabalho, Prof. Dr. Vicente Concílio – e relatou que estava à procura, já há algum tempo, de um ator para preencher o papel deste personagem. Tendo sido contemplado pelos prêmios de dois editais – Funarte Myriam Muniz e Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura – o projeto Otelo estava em fase de seleção do elenco.
Não foi com pouca surpresa que recebi o convite, tendo em vista a trajetória da
Persona no cenário artístico de Florianópolis frente à minha pouca experiência como ator.
Neste primeiro momento não foi possível avaliar o nível de responsabilidade e
comprometimento que tal convite demandaria, apesar de vislumbrar o grande desafio que teria pela frente.
Os primeiros ensaios foram marcados para o mês de novembro de 2013 e portanto, houve um período de aproximadamente dois meses para que toda a equipe se familiarizasse com a obra na qual a encenação seria baseada. À época da montagem de Otelo, a Persona contava com apenas dois integrantes fixos: o seu diretor, Jefferson Bittencourt e a atriz e produtora Giselle Kincheski. Os demais integrantes da equipe técnica e do elenco foram todos convidados.
Para a montagem do espetáculo, o elenco foi escolhido cuidadosamente pelo diretor, sendo composto por: Cleístenes Grött, no papel de Cássio; Giselle Kincheski, interpretando Bianca; Luciana Holanda, no papel de Iara; Raquel Stüpp, como Desdêmona; Valéria de Oliveira, no papel de Emília, além de mim, interpretando o papel de Otelo (ver Figura 12).


Figura 12 – Elenco/Personagens da montagem Otelo, da Persona Cia de Teatro

Da esquerda para direita: Emília, Iara, Otelo, Desdêmona, Cássio e Bianca.


Cleístenes Grött é formado no curso de Licenciatura em Educação Artística –
Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Natural de
Blumenau, participou de diversas montagens teatrais e trabalha regularmente com publicidade
e cinema.
Giselle Kincheski é acadêmica do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de
Santa Catarina. Atriz e professora de teatro na Camarim Escola de Artes, Giselle faz parte da
equipe de integrantes fixos da Persona Companhia de Teatro.
Luciana Holanda também é formada no curso de Licenciatura em Educação Artística –
Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Natural de São Paulo é atriz de teatro e cinema.
Raquel Stüpp graduou-se no curso de Licenciatura em Educação Artística –
Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina em 2006. É
parte integrante da Persona Companhia de Teatro, além de trabalhar como produtora e atriz de
teatro e cinema.
Valéria de Oliveira é Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Regional de
Blumenau e Mestre em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Natural de
Itajaí, é coordenadora do Grupo Porto Cênico, naquela cidade.
O primeiro encontro do elenco, no dia 22 de novembro de 2013, serviu para que todos
pudessem se conhecer e saber um pouco mais sobre as ideias, objetivos, pretensões e
concepções que o diretor tinha em relação ao espetáculo. Iniciava-se um processo de
formação de grupo, com pessoas de diferentes afinidades e interesses. Uma mescla de
personalidades que parece estar refletida no resultado final.
A montagem de Otelo teve o seu início e todo o seu desenvolvimento no espaço
concedido pela Camarim Escola de Artes, no bairro Estreito, em Florianópolis. Uma sala
ampla e arejada no interior da escola, com aproximadamente 07 metros de largura e 09 de
profundidade, serviu de espaço de leituras, debates, criação e ensaios pelos 06 meses que se
seguiram.
O processo foi marcado pela estilização do espaço ficcional, assim como dos
personagens. A peça, escrita por volta de 1604, teve o seu enredo deslocado para a
contemporaneidade de uma empresa de grande porte. Como é possível imaginar, diversas
outras transformações ou adaptações se fizeram necessárias em virtude desta alternativa
estética.
O cargo de general a serviço do reino de Veneza ocupado por Otelo na obra original,
foi substituído pelo de presidente da empresa em questão. O personagem Iago, alferes de
Otelo, foi transformado na secretária do presidente, Iara. Desdêmona permanece sendo a
esposa de Otelo, enquanto sua ama Emília, ganha os ares de sua governanta. Cássio, que na
obra original é promovido a tenente por Otelo, nesta montagem é promovido à diretor da
companhia. Bianca permanece sendo a amante de Cássio, porém sem a alcunha de prostituta,
vivendo na montagem uma espécie de assistente administrativa.
Além dessas transformações, o deslocamento para a contemporaneidade influenciou
diversos outros elementos da encenação. O cenário é um deles e este ficou a cargo do ator,
professor de teatro e cenógrafo Roberto Gorgatti, que havia participado de outros projetos da
Persona, tais como “F” e E.V.A..
De maneira simples e dinâmica, o cenário foi totalmente concebido de modo a
transportar a trama para um ambiente contemporâneo e tinha o intuito de potencializar os
espaços representados em cada cena. Tais espaços se resumem a ambientes da empresa e da
casa de Otelo e Desdêmona.
A composição cenográfica ficou determinada por quatro cadeiras, duas mesas e dois
cubos de madeira. A funcionalidade deste cenário se reflete no fato de que as mesas, em
determinado momento da peça, são transformadas na cama do casal, Otelo e Desdêmona.
Além disso, os cubos fazem as vezes de pequenos armários, onde diversos elementos de cenas
– copos, taças e garrafas – são armazenados.
A história contada em cena tem um espaço à parte da realidade como ambiente para o
seu desenrolar. Uma rotunda branca toma todo o fundo do palco, emprestando às ações
desenvolvidas no palco uma tridimensionalidade quase cinematográfica. Conforme já
mencionado, essa é uma das características importantes nos trabalhos da Persona: a influência
imagética do cinema.
Reforçando essa impressão, o chão é coberto por um linóleo branco numa área
retangular de aproximadamente 07 metros de largura por 09 metros de profundidade,
claramente delimitada para o desenvolvimento da trama. A luz, os atores, o cenário e os
elementos de cena interagem neste espaço apenas, mesmo que, nas laterais, espaços visíveis
do palco permaneçam descobertos.
Sendo um elemento que compõe de maneira importante a estética visual da peça, o
linóleo deve, obrigatoriamente, estar delimitando este espaço ficcional, conforme indicado na
Figura 13. Assim, o tamanho dessa área demarcada é uma das características que fazem com
que o espetáculo possa somente ser apresentado em teatros de determinados tamanhos.



Figura 13 – O espaço ficcional de Otelo delimitado pelo linóleo branco

Desde o primeiro movimento no sentido de criar cenas e marcações, o ambiente da
sala de ensaio foi impregnado por uma espécie de formalidade diante do resultado que se
esperava alcançar. Cada uma das cenas parecia ter uma abordagem solene por parte dos
atores, como se um profundo respeito pela obra devesse ditar o andamento do processo.
Assim, todos os encontros eram permeados por uma visão de que a história de Otelo deveria
ser contada com uma profunda seriedade.
Por se tratar de uma linguagem não coloquial e de extrema formalidade, o texto parece
corroborar para esta tendência. Conforme já mencionado, a intenção era manter o texto
original nas falas dos atores, da forma como fora concebido por Shakespeare e isso,
claramente, apresentava-se como algo desafiador desde as primeiras leituras. Neste sentido,
foram desenvolvidos exercícios de leitura em voz alta para que a poesia do texto fosse
potencializada e se tornasse orgânica para o elenco.
Com essa solenidade impregnando as ações, os gestos, os diálogos e, de forma geral,
as cenas, a estreia para o público apresentou uma surpresa interessante: o riso dos
espectadores em momentos específicos do espetáculo. Um desses momentos é quando Iara
sugere a Otelo que ele estrangule sua esposa em sua própria cama. Outro ainda, quando Otelo,
em total desespero, manifesta a sua indignação por sua esposa ter lhe traído com o seu diretor.
É pertinente afirmar que essa reação causou um grande estranhamento no elenco e foi
motivo de debates após as primeiras apresentações. O que poderia gerar o riso na plateia? A
forma como algumas frases eram ditas? A ansiedade frente ao drama de Otelo? A maldade
nua e crua de Iara? O nervosismo diante da situação de impotência em interferir? A
genialidade do enredo? A ingenuidade e a fraqueza de Otelo? A inocência de Desdêmona?
Muitas perguntas surgiram e, certamente, as respostas não são únicas.
As obras de William Shakespeare são famosas por colocar numa espécie de lente de
aumento as mais variadas nuances da personalidade humana. Em Otelo não é diferente e,
apesar de se tratar de uma história trágica, em que poucos se redimem de seus atos e a
injustiça parece imperar, existem alguns momentos de leveza.
Talvez esse seja um dos motivos que fazem das obras do escritor inglês, peças únicas
da literatura e dos palcos: sua habilidade em dosar na medida certa a dor e o alívio. Assim,
podemos sugerir que, mesmo que na sala de ensaio o peso emocional e psicológico dos
personagens tenha sido evidenciado, momentos de frescor emanam natural e organicamente
do texto, não passando despercebidos pelo espectador.
Com a opção de manter o elenco protegido pela quarta parede, cada um dos
personagens foi concebido no intuito de concatenar o enredo da peça com suas personalidades
e características próprias. Assim, mesmo que alguns personagens importantes tenham sido
suprimidos da obra original, a trama adaptada desta montagem se desenvolve de maneira
relativamente clara para o público.
O personagem Iago, único personagem que não se atém à regra da quarta parede, com
suas manifestações e intenções pérfidas expostas e direcionadas abertamente ao público,
parece ser o centro de onde partem as ações e as consequências das ações empreendidas pelos
demais personagens. Na montagem da Persona, a opção foi manter essa espécie de centro
gravitacional, ao redor do qual as conexões e interações entre os personagens orbitam.
Esta opção, segundo o diretor Jefferson Bittencourt, tem a ver com a narrativa do
espetáculo, que está focada no ciúme e em todas as consequências que dele advém. Dessa
forma, mantiveram-se os personagens que, na perspectiva da narrativa, conseguem manter a
potência da trama mesmo com cortes nos diálogos e algumas adaptações na história.
Como que expostos em um aquário para apreciação do espectador, os atores criam um
universo próprio. Esse isolamento parece ressaltar o envolvimento emocional de cada um dos
personagens e os apartes de Iago, justamente por este motivo, parecem ganhar potência e
prender a atenção do público ao que realmente está acontecendo, expondo os bastidores de
uma trama malévola.
Sobre essa nuance do personagem Iago, alferes do general de Veneza, uma das
características marcantes desta montagem é o fato de ele ter sido transformado em Iara, a
secretária do presidente da empresa. A adaptação textual perpassou por esse detalhe crucial
com muita atenção. Interpretado pela atriz Luciana Holanda, Iara logo se mostrou tão
maquiavélica quanto seu original masculino.
As implicações desta transformação estiveram presentes no processo de montagem e
certamente, emprestaram ao espetáculo uma gama de oportunidades únicas no que se refere à
sua leitura pelo espectador.
Um embate entre as energias masculina e feminina pode ter tido influência no
resultado final. Porém, é válido afirmar que tal embate não parece sobrepor as possíveis
motivações do vilão ou, neste caso, da vilã da trama, sejam elas guiadas pela inveja, cobiça ou
ambição.
Tais motivações podem se manifestar de maneiras diferentes entre homens e mulheres e nesta montagem, essa questão não passou despercebida. A abordagem da direção porém, foi no sentido de basicamente demonstrar a lealdade que o presidente de uma empresa espera de uma pessoa com alto grau de responsabilidade dentro de sua empresa e que goza de sua total confiança, seja tal pessoa um homem ou uma mulher.

O fato do cargo de diretor ser dado a um homem, no caso a Cássio, poderia gerar uma reflexão mais profunda quanto às injustiças experienciadas pela mulher em grandes corporações desde sempre. Este viés porém, não foi enfatizado no espetáculo, pelo menos não conscientemente, permanecendo nas entrelinhas e em possíveis interpretações do público.
Assim podemos concluir que o personagem Iago, a partir de qualquer forma de
análise, é uma figura universal, desprovida de gênero, sendo única e exclusivamente a representação da maldade. Usando de artimanhas que bem poderiam ser colocadas em prática por homens ou mulheres, o personagem interpretado pela atriz Luciana Holanda ganhou uma nova versão, tão intensa e ardilosa quanto a concebida por Shakespeare na obra original (ver Figura 15).

Figura 15 – O personagem Iago transformado em Iara


Outro elemento importante nesta adaptação foi o convite feito a um ator de etnia
branca para interpretar o personagem Otelo. O fato do personagem ser originalmente negro
tem diversas influências no enredo da obra, determinando ações, intenções e falas de diversos
personagens. Foi preciso uma atenção redobrada neste sentido para que a adaptação desse
conta dessa transformação sem que a potência do texto se perdesse na encenação.
É pertinente citar duas influências importantes, dentre tantas outras, que o fato de Otelo ser negro interpõe ao enredo da peça: a.) os segredos do romance entre Desdêmona e Otelo são devidos principalmente, à etnia
do general e b.) por ser de origem africana, o Mouro é visto como um bárbaro, desprovido dos refinamentos da corte – sua posição de general é aceita única e exclusivamente pela sua coragem e pela inegável lealdade que ele devota ao reino de Veneza.
Nesse ponto do trabalho, é pertinente esclarecer que a alternativa estética da direção no que se refere à seleção dos atores e também dos personagens que figuram nesta montagem,
tem a ver com a escolha do tema principal que deveria guiar o espetáculo: o ciúme e suas
consequências. Segundo o diretor Jefferson Bittencourt (informação verbal), são diversos os
temas que gravitam pelo universo de Otelo, porém foi necessário fazer uma escolha,
transformando um texto original que pode gerar um espetáculo com mais de 03 horas de
duração em uma adaptação de 90 minutos.
Assim, a partir da escolha do foco principal para a montagem, foram feitos os cortes
na dramaturgia e consequentemente, os diversos outros temas da obra, dentre eles o fato de
Otelo ser um personagem negro, não figuram na montagem da Persona. A seleção dos
personagens que permanecem no espetáculo também parte desta escolha, dando conta de
manter o sentido do enredo resultante da adaptação.
Outra informação importante que se refere à esta escolha tem a ver com a estética
própria dos espetáculos da Persona e também com a maneira de trabalhar do seu diretor. De
acordo com Bittencourt, tratar das diferenças raciais que estão presentes nas relações de
convivência e poder na obra original demandaria um profundo conhecimento sobre o assunto
e uma extensa pesquisa.
Esse tema porém, apesar de potencialmente relevante em Otelo junto com o da
ambição, da inveja, da traição e tantos outros, não está no histórico temático da companhia.
Citando as palavras do próprio diretor (informação verbal): “eu não saberia como tratar do
tema racial de maneira adequada.” Assim, a alternativa de selecionar um ator de etnia branca
para interpretar este personagem ícone de Shakespeare parte de opções poéticas (referenciado
à dramaturgia), estéticas e retóricas (tendo sido escolhido o discurso sobre o ciúme).
Vale ressaltar ainda que em vários ensaios e encontros informais de toda a equipe que
esteve envolvida neste projeto, discutiu-se a extrema importância e a relevância de uma
possível discussão sobre o posicionamento social desta obra. Assim, da mesma forma que
foram tomados os devidos cuidados no momento de transformar Iago em Iara, o trabalho de
adaptação se atentou para as possíveis consequências dessa alternativa temática.
O desafio de interpretar este importante personagem de Shakespeare despertou
diversas novas percepções sobre a minha abordagem ao fazer teatral. O fato de Otelo ser
negro foi também um importante elemento de reflexão quanto à grande responsabilidade que
me havia sido dada. Foi necessária a articulação de novas ideias, novos conceitos e novas
visões a respeito da obra de Shakespeare como um todo.
Neste sentido, vale ressaltar a colaboração de muitas pessoas que interferiram de
diversas maneiras para que o espetáculo ganhasse corpo e pudesse estar em condições de ser
levado a público. Duas dessas pessoas considero como fundamentais no processo de
construção do espetáculo: o ator e diretor Roberto Mallet e o tradutor e professor José Roberto O’Shea.
Roberto Mallet esteve presente em dois ensaios do elenco, em um estágio no qual a
peça estava com sua estrutura cênica definida. Sua colaboração se deu no sentido da
preparação do elenco e no fornecimento de impressões diferenciadas sobre as abordagens do
grupo em relação às cenas.
Com sua vasta experiência teatral, Mallet supriu o grupo com orientações que
colaboraram na estrutura lógica das ações. Com apontamentos simples e precisos, propôs
dinâmicas que fizeram com que os atores/personagens buscassem a organicidade de suas
ações e falas através dos estímulos internos que o texto ou as interações em cena pudessem
gerar.
A colaboração do professor José Roberto O’Shea se deu de forma distinta e
igualmente importante. Com sua larga experiência literária e conhecimento profundo das
obras de Shakespeare, O’Shea forneceu ao elenco impressões e interpretações do texto até
então ignoradas.
Após assistir a um ensaio geral, forneceu ao grupo uma crítica construtiva relacionada
especificamente às entonações vocais e intenções presentes – e também escondidas – em cada
frase do texto. Tais recomendações e orientações reverberaram durante todo o restante do
processo de montagem e, certamente, ainda se fazem sentir a cada apresentação do
espetáculo.
A adaptação e a memorização de um texto intenso e profundo, as interações pessoais
com artistas com mais experiência na área, a disciplina e disposição necessárias nos ensaios, o
contato com diferentes visões e críticas às opções da direção e a exposição da minha figura
nas redes sociais no meio artístico de Florianópolis são apenas algumas das nuances que
envolveram a montagem. Novas percepções sobre a peça e, fundamentalmente, sobre o
mundo do teatro, se fizeram presentes durante todo este percurso.
A compreensão do que foi apreendido durante os processos de ensaios e apresentações
se tornou mais clara depois de um certo afastamento do ambiente Otelo – houve um hiato de
10 meses entre as apresentações da estreia em 2014 e a retomada em 2015.
De qualquer maneira, as reverberações desta experiência aliadas ao percurso na
academia, se fazem sentir ainda hoje e penso que ainda se farão sentir por muito tempo e em
muitos outros trabalhos que pretendo empreender. Reverberações tão intensas quanto o grau
de intensidade que se buscou em cada fala e em cada cena de Otelo (ver Figura 16).

Figura 16 – Cenas marcadas pela busca de intensidade e presença cênicas
(INSERTAR ISTA FIGURA E AS OUTRAS DO PDF QUE SE TROVA NA NUVEM - https://drive.google.com/drive/folders/15x8ugGL6_SXCQ7wos2jmrOIZbWb0Yr2j )

Fonte: Apresentação no Teatro da UBRO em 08 de junho de 2014. Foto: Rodrigo Ferrari.


3.3. APRESENTAÇÕES


Sendo pertinente uma reflexão sobre percepções geradas no período de apresentações de um espetáculo, faz-se necessário neste sentido, descrever a experiência da peça Otelo nos teatros de Florianópolis, Itajaí, Joinville e Jaraguá do Sul. Desde a estreia em maio de 2014 até outubro de 2015 foram 18 apresentações.
Como forma de contrapartida pelo aporte financeiro concedido pelos prêmios Funarte Myriam Muniz 2013 e Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013, o espetáculo ofereceu a temporada de estreia ao público de forma totalmente gratuita. Foram 09 apresentações nas cidades de Florianópolis e Itajaí entre os dias 22 de maio e 08 de junho de 2014.
Após 02 apresentações em Florianópolis, nos dias 01 e 12 de agosto de 2014, no
Teatro do SESC Prainha e no Teatro da UBRO respectivamente, o espetáculo encerrou as apresentações daquele ano. Após um intervalo de 10 meses sem apresentações, devido à uma viagem da atriz Luciana Holanda, o espetáculo retomou as apresentações em junho de 2015.
Neste ano, foram 02 apresentações em Florianópolis, no Teatro da UBRO; 02
apresentações em Joinville, dentro da pauta de espetáculos oferecidos pela AJOTE – Associação Joinvilense de Teatro e da Aldeia Palco Giratório do SESC Santa Catarina; 01 apresentação em Jaraguá do Sul, também dentro da programação da Aldeia Palco Giratório do SESC Santa Catarina e finalmente, 01 apresentação em Florianópolis, no teatro Álvaro de Carvalho, dentro da programação do 22o Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro, como
espetáculo selecionado para a mostra oficial.
Da mesma forma que as percepções foram ampliadas pela diversas apresentações de Insólito, as oportunidades de apreensão sobre novas formas de enxergar o teatro e de construir sentido na sua prática, surgiram de maneira marcante com as apresentações de Otelo. Mesmo a apresentação, no dia 06 de maio de 2014, para um público de apenas 10 pessoas aproximadamente – todas da imprensa de Florianópolis – serviu de material para reflexões a respeito de todo o processo.
No dia 22 de maio de 2014, exatamente 06 meses após o primeiro encontro do elenco e da direção na Camarim Escola de Artes, o espetáculo Otelo estreava oficialmente no Teatro Álvaro de Carvalho, de Florianópolis (ver Figura 17). Chegava a hora de colocar à prova o reflexo e o resultado de todas as etapas pelas quais a montagem havia passado.
Pessoalmente, era a primeira vez que eu tinha a oportunidade de apresentar um
trabalho no palco do Teatro Álvaro de Carvalho. Havíamos apresentado Insólito há poucos dias para um público de 350 pessoas, no Teatro Maria Luiza de Mattos, em Concórdia – no dia 09 de maio – e portanto, o tamanho tanto do palco quanto da plateia não pareciam tão intimidadores. Porém, a verdadeira dimensão espacial do espetáculo Otelo referente às interação entre os atores e a sua relação com a própria peça ainda era desconhecida.
A experiência Insólito envolvia apenas uma parceira de cena e pouquíssimos objetos acomodados em um palco praticamente vazio. Dessa vez, chegava a hora de fazer funcionar a máquina poética, utilizando o termo de Daniel Veronese(14), com seis atores no palco.
14 Daniel Veronese é ator, dramaturgo e diretor de teatro. Nascido em Buenos Aires, em 1989 fundou o grupo El Periférico de Objetos, pesquisando a interação entre atores e objetos em cena.
diversos objetos distribuídos no cenário, além de uma estrutura técnica de luz e som que
serviam como elementos condutores da cena.


Figura 17 – Apresentação no Teatro Álvaro de Carvalho (Florianópolis/SC)

Fonte: Apresentação no dia 22 de maio de 2014. Foto: produção do Festival Isnard Azevedo.

A harmonia no funcionamento de todas as engrenagens dessa máquina determina o andamento do espetáculo. Como numa orquestra, o espetáculo Otelo é quase que regido por um maestro que coordena luz e som, dando ritmo a uma espécie de coreografia corporal e vocal. A percepção e a compreensão dessa regência foi apreendida pelo grupo ao longo das apresentações.
Após uma divulgação maciça nas redes sociais e com anúncios de jornal e televisão, a peça Otelo instigou o público a comparecer ao teatro. A Persona não conta com umdepartamento de assessoria de imprensa portanto, divulgar a temporada de estreia coube ao elenco, à equipe técnica, aos amigos e familiares. Funcionou. O espetáculo teve o teatro lotado nas quatro primeiras noites no Teatro Álvaro de Carvalho – dias 22, 23, 24 e 25 de maio de 2014.
Interessante observar como as percepções a respeito da própria atuação se modificam drasticamente quando o trabalho é transportado da sala de ensaio para o palco, para o público.
Evidentemente havia um nervosismo pairando sobre todo o elenco nessas quatro noites de estreia e ao mesmo tempo, uma necessidade de buscar combustível e estímulo para consolidar frente ao público o que havíamos começado.
Esses elementos foram encontrados na troca de energia com a plateia, que na sua grande maioria aceitou as transformações que o espetáculo apresentou em relação à obra original. A partir de feedbacks de vários espectadores, o espaço ficcional contemporâneo e reconhecível, o vilão Iago transformado em uma secretária igualmente ardilosa e o mouro de Veneza interpretado por um caucasiano da serra gaúcha causaram estranhamento, mas não enfraqueceram a estética da peça.
Otelo havia passado pela prova da estreia com uma boa aceitação pela grande maioria do seu público. Mesmo não sendo um espetáculo que possa ser considerado popular em função de algumas alternativas estéticas – como a manutenção dos diálogos rebuscados – Otelo ganhou uma certa popularidade à época de suas primeiras exibições. Assim, mais uma vez, as percepções enquanto ator se ampliaram, dessa vez na questão da relação com o público.
A experiência vivida na apresentação de Insólito há apenas alguns dias, instigaram uma atenção cuidadosa quanto à minha própria consciência corporal e, principalmente vocal no palco do Teatro Álvaro de Carvalho. O texto de Otelo demanda um domínio apurado de longos diálogos, monólogos e solilóquios. Assim, a partir de uma avaliação rigorosa a respeito da minha postura vocal até então, alguns ajustes neste sentido se fizeram necessários.
Observando à distância, hoje é possível identificar algumas características de atuação que denotam falta de experiência e uma certa imaturidade artística da minha parte nas primeiras apresentações de Otelo. Concluo portanto, que o aprendizado é algo que acompanha permanentemente o ator, cabendo a ele estar aberto a mudanças, avaliar as escolhas, corrigir as fraquezas e aprimorar as qualidades.
Nos dias 30 e 31 de maio, a peça foi apresentada no Teatro Municipal de Itajaí para um público aproximado de quase 1.000 pessoas. Com dimensões de palco similares ao do Teatro Álvaro de Carvalho, a estrutura cênica foi acomodada conforme o planejado. Havia uma sensação entre o elenco e a direção de que a potência plena do espetáculo ainda não havia sido atingida – se é que isso é algo possivelmente mensurável, principalmente com tão poucas apresentações realizadas.
A cada nova oportunidade de apresentar a peça, buscava-se um aprimoramento nos detalhes. Alguns pequenos ajustes foram feitos desde as apresentações em Florianópolis, tais como marcações, movimentações, adaptação no texto, entonações, intenções nas falas, entre outros. O teatro em questão oferece uma boa estrutura física e técnica, permitindo aos atores e à direção continuar empreendendo experiências no sentido de encontrar a medida certa do ritmo da peça (ver Figura 18).


Figura 18 – Apresentação no Teatro Municipal de Itajaí

Fonte: Final da apresentação no dia 31 de maio de 2014. Foto: Ana Beatriz de Oliveira.

Percebo agora, afastado por mais de um ano da experiência de temporada de estreia,que cada apresentação representou uma nova oportunidade para perceber sentidos e significados inerentes ao espetáculo. A boa recepção do público em Itajaí reforçou nossa postura em relação à necessidade de continuarmos o trabalho de desenvolvimento e aprimoramento do espetáculo como um todo.
Voltamos para Florianópolis, dessa vez para apresentações no Teatro da UBRO. Entre os dias 05 e 08 de junho de 2014 foram três apresentações. Fato interessante foi a falta de energia elétrica que ocorreu na noite do dia 07. Praticamente às escuras, totalmente maquiados e vestindo o figurino dos personagens, o elenco recebeu o público presente no hall de entrada do teatro, juntamente com o diretor Jefferson Bittencourt, para anunciar que, infelizmente, a peça não iria ser apresentada naquela noite.
As apresentações na UBRO estão entre as mais interessantes de toda a temporada de estreia no que se refere às minhas percepções a respeito das variáveis que envolvem o espetáculo, a apresentação, o evento efêmero e exigente do teatro. Após 06 apresentações intensas, carregadas pela energia inerente à estreia, o ritmo da peça parecia ter se instaurado em contrapartida à minha disposição. O meu desgaste físico era evidente. As apresentações de Otelo combinadas às tarefas acadêmicas – na época eu estava na sétima fase do curso – começavam a cobrar o seu preço.
Paralelamente a tudo o que envolveu o início da trajetória das apresentações do espetáculo, acontecia ainda naquele semestre a disciplina de Prática de Direção Teatral I, na qual eu estava matriculado.
Dessa forma, o primeiro semestre de 2014 – assim como segundo – foi marcado pela montagem e apresentações da peça Rastros (criada a partir da demanda da disciplina de Direção Teatral I, ministrada pelo prof. Dr. José Ronaldo Faleiro. Direção: Rafael Zanette. Elenco: Evelyn Dodl, Fabiana Franzosi (2014/1) e Suzana Silveira (2014/2)), sob minha direção. A responsabilidade de
montar um espetáculo recaía agora sobre a minha pessoa e, além de dirigir, optei por escrever o texto da peça. Abordei um tema que considero delicado e profundo: a relação mãe e filha a partir do viés emocional e psicológico. A pesquisa para a montagem de Rastros demandou tempo e energia e aconteceu em paralelo aos ensaios e primeiras apresentações de Otelo.
Assim, no Teatro da UBRO, pude observar uma característica bastante pessoal que acabou se confirmando em apresentações posteriores: a minha capacidade para alcançar determinados estados físicos e emocionais em cena está diretamente relacionada ao meu condicionamento físico e mental.
A fadiga corporal e mental, ao invés de sugerir falta de energia, parecia servir de estímulo para acionar cargas emocionais que, até então, eu talvez não tivesse conseguido encontrar nas apresentações anteriores.
O corpo relaxado pelo cansaço, mas disposto e disponível, treinado pela prática teatral quase que diária, se coloca em um estado de extrema atenção. Tomar o controle desta condição é algo que levo comigo como objetivo a cada espetáculo. Acredito que a apreensão desta percepção é algo que posso considerar como efeito direto do fazer teatral aliado ao estudo prático e também teórico na academia.
Após um breve intervalo, retomamos as apresentações de Otelo, dessa vez no SESC Prainha no dia 01 de agosto de 2014. Este espaço tem a característica de não dispor de um palco tradicional. Diretamente no chão de madeira de uma sala com aproximadamente 15 metros tanto de largura quanto de profundidade, são montadas arquibancadas para a plateia.
O espaço ficcional do espetáculo foi montado normalmente, delimitado pelo linóleo branco e, nesta ocasião, os atores experimentaram uma proximidade maior com o público.
Além disso, não havia coxias e as movimentações laterais e no fundo do palco ficaram relativamente à mostra do espectador. O espetáculo ganhava corpo e ritmo, se deixando cada vez menos influenciar por fatores técnicos externos. Portanto, mesmo que algumas características desta apresentação fossem novidades para o elenco, elas pouco afetaram a estética da peça e pouco interferiram na estrutura da cena.
Encerrando o ano de 2014, Otelo foi apresentado no Teatro da UBRO no dia 12 de agosto. A apresentação teve um tom de despedida pelo fato da atriz Luciana Holanda estar com viagem marcada para a Itália, sem prazo para voltar. Depois de 11 apresentações, para um público aproximado de 2.000 pessoas, Otelo entrava em uma espécie de hibernação, que durou quase um ano.
Durante esse hiato de tempo a que Otelo foi condicionado houve um afastamento do elenco e também da própria peça. Foi um longo período de reflexão por parte dos atores e da direção em relação à estética e às estratégias de consolidação da peça como espetáculo permanente da Persona.
No dias 19 e 20 de junho de 2015, a peça era novamente apresentada no Teatro da UBRO e este retorno aos palcos demandou três ensaios gerais e alguns outros com apenas parte do elenco. Serviram para retomada de texto, marcações, movimentações e, principalmente, tentar captar novamente o espírito e o ambiente criado em torno da trama.
Paradoxalmente, o afastamento do processo parece ter emprestado ao grupo e especialmente ao espetáculo uma certa maturidade, sentida nessas duas apresentações.
As apresentações seguintes aconteceram em Joinville, no Galpão da AJOTE -
Associação Joinvilense de Teatro, no dia 27 de junho e na sede do SESC, dentro da programação da Aldeia Palco Giratório, no dia 07 de agosto. A proximidade do público, a falta de coxias e a movimentação relativamente à mostra do público foram características que acabaram se repetindo nestas apresentações, assim como em Jaraguá do Sul, no dia 12 de agosto, também na sede do SESC, pela Aldeia Palco Giratório.
Depois de dois meses e meio, no dia 23 de outubro de 2015, Otelo se apresentava pela última vez no ano, novamente no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis. Dessa vez, como espetáculo selecionado para o 22o Festival Isnard Azevedo - Floripa Teatro. Interessante observar que a peça havia sido selecionada para a edição de 2014 deste mesmo festival
porém, devido a ausência da atriz Luciana Holanda, a apresentação não aconteceu naquela época.
Novamente com o teatro lotado, Otelo estava de volta ao palco do Teatro Álvaro de Carvalho. O amplo espaço deste local parece não afetar a sua marcante característica de ser um teatro acolhedor, tanto para o público quanto para os artistas que ali se apresentam. Essa percepção a respeito desse prestigiado e importante espaço de eventos culturais tem me acompanhado desde a primeira apresentação de Otelo.
A apresentação dentro do Festival Isnard Azevedo foi especial no sentido de ter
reforçado a ideia, tanto para o elenco quanto para a direção, de que o espetáculo está amadurecendo. A potência do texto e das ações estimuladas por ele, a genialidade dos diálogos concebidas pelo autor, a linha que une cada detalhe da peça em uma grande história parece finalmente ter encontrado campo fértil no trabalho do grupo.
Como ator, sinto-me honrado e privilegiado em fazer parte desse processo. Os novos significados que concebi a respeito do universo teatral, as novas percepções sobre a sua prática e, principalmente, o que foi apreendido no meu percurso acadêmico parecem ter convergido em pontos específicos, os quais ainda pretendo me aprofundar.
Percebo que as maneiras de construir o conhecimento em teatro se ampliam na medida em que me disponho a entrar em contato com diferentes visões sobre esta linguagem artística.
O intuito é permanecer com o espírito aberto para o aprendizado e para a apreensão de toda uma gama de novas sensações, emoções e possibilidades no caminho que escolhi como profissão.

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