viernes, 30 de agosto de 2019

IV - O PRÍNCIPE E A PRINCESA (Pepita de Leão)

A RAINHA DAS NEVES - CONTOS DE ANDERSEN

(Tradução de Pepita de Leão do francés, da versão de Louis Moland)


IV - O PRÍNCIPE E A PRINCESA

Em todo caso, ... só pensa agora na sua princesa.
- Princesa! Então ele mora em casa de uma princesa?
 Reina neste país uma princesa de inteligência prodigiosa. É tão sábia que leu todos os jornais que já foram impressos no mundo; mas a maior prova da sua sabedoria está em que ela esqueceu tudo quanto leu! Ainda pouco tempo estava ela sentada no trono - e, por falar nisso, parece que não é lá coisa tão agradável como parece, senta-se a gente em um trono, e que não basta isso para sermos felizes! - Para se distrair, começou a cantarolar uma canção, aquela que tem um estribilho assim:

      "Por que então não me hei de casar?
              Por quê? Por quê?"

 E ela disse consigo: "Por que não me hei de casar?" Mas o caso é que ela queria um marido que soubesse conversar, responder às perguntas que lhe fizessem; não queria um desses sujeitos graves e pretensiosos, solenes e cheios de si: são muito enfadonhos. Convocou, ao som do gongo, as damas de honor, e participou-lhes a ideia que tivera. E todas elas ficaram muito contentes. E diziam:
    "É encantador! É o que todas nós dizemos todos os dias: Por que a princesa não se casa?"
Podes estar certa de que o que conto é a pura verdade. Sei tudo isto de minha noiva, que anda à vontade por todo o palácio. odos os jornais do país publicaram então a proclamação; todos eles apareceram naquele dia com uma cercadura de corações em chamas, com as iniciais da princesa. Dizia a proclamação que qualquer moço inteligente e de boa figura podia apresentar-se no palácio e conversar com a princesa: e que o que conversasse melhor, e se mostrasse mais senhor de si e de espírito mais atilado (pessoa com aguçada inteligência de análise e compreensão das causas e efeitos)casaria com ela. Sim, Sim! Podes acreditar no que digo: tudo se passou como conto; não estou inventando nada. Ora, apareceram moços às centenas. Mas eram despedidos todos, um por um. Enquanto estavam na rua, fora do palácio, tagarelavam como pêgas. Mas no que entravam pela grande porta, e passavam pela dupla fila de guardas, todos de uniformes cobertos de prata, perdiam logo o aprumo. E quando os lacaios agaloados de ouro os conduziam pela escadaria monumental dos vastos salões, inundados de luz de lustres inumeráveis, os pobres rapazes sentiam as ideias confusas; e uma vez diante  do trono, onde a princesa estava sentada, cheia de uma majestade, nada mais sabiam dizer: repetiam, miseravelmente desorientados, a última palavra do que ela acabava de pronunciar ou antes - balbuciavam apenas. Ora, isso não interessava à princesa-  ouvir repetir o que ela mesma dissera! Parecia que os pobres moços estavam enfeitiçados, e que um encantamento lhes travava a língua: porque assim que saíam do palácio e se viam na ruas, ao ar livre, recobravam o uso da palavra, e a língua se lhes soltava. Assim foi no primeiro e no segundo dia. Quanto mais gente era despedida, mas aparecia: parecia que brotavam na terra, tamanha era a fluência de pretendentes. Era uma fila imensa, desde as portas da capital até o palácio.
Os que esperavam na rua a sua vez tiveram tempo de sentir fome e sede. Os mais espertos tinham trazido provisões, mas não caíam na asneira de reparti-la com os vizinhos. E pensava cada um lá consigo. "Que a língua s lhes pegue no céu da boca! Assim não poderão dizer uma palavra à princesa!" E é claro que, vendo um homem meio morto de fome e de sede, ele não havia de querê-lo para marido!
Mas...? Quando chegou ele? Estava no meio de multidão?
Lá chegaremos. No terceiro dia apresento-se um jovenzinho, que andava a pé. Muitos outros chegavam a cavalo ou de carro, como grãos-senhores. Dirigiu-se para o palácio, muito alegre: parecia vir ali só por divertimento. Tinha os olhos brilhantes; cabelos louros, compridos e muito lindos, mas vestia como um menino pobre.
Levava às costas um saco.
Não vi de perto. Mas, segundo me contou minha noiva, que é incapaz de alterar a verdade, quando chegou à porta do castelo, não se sentiu nada intimidado à vista nem dos guardas de uniforme bordado de prata, nem dos lacaios agaloados de ouro. E quando quiseram que ficasse esperando embaixo, ao pé da escada, foi dizendo logo: " Obrigado; não é nada agradável esperar de pé !" Subiu sem mais detença, e penetrou nos salões deslumbrantes de luzes. Lá dentro viu incensando o trono camaristas e ministros- todos eles calçados apenas de alpercatas, para não fazer barulho. Era bastante para desconcertar um homem não habituado a tanta solenidade, quanto mais a quem, como aquele jovem, sentia as botinas rangeram despropositadamente! Ele, contudo, não se intimidou.
E faziam um barulho diabólico! Mas o rapaz, como se aquilo não fosse com ele, caminhou em direção à princesa, que estava sentada sobre uma enorme pérola, do tamanho de uma almofada. Cercavam-na as damas de honor, com suas camareira, e as camareiras das suas camareiras; e todos os cortesãos, com os cavalheiros do seu séquito, e os servidores dos cavalheiros com seus pajens.Toda essa gente rodeava o trono, como disse, e quanto mais próximos da porta, mais orgulhosos se mostravam. E os últimos, que eram pajens dos pajens -aqueles que andam só de alpercatas - eram tão imponentes e tão rebarbativos, que a gente mal ousava encará-los. Mas o rapaz nem se apercebeu da sua presença.
    - Havia de ser coisa tremenda, avançar no meio de toda essa Corte! Mas...? Conseguiu ele agradar a princesa?
   - Se conseguiu! Falou tão bem, com tanto espírito, ... Minha noiva contou-me tudo. Era um rapaz bonito e amável, e muito desembaraçado. Também não foi lá para pedi-la em casamento, não; disse-o de chegada: queria apenas verificar se a princesa era, de fato, tão espirituosa como diziam. Achou-a encantadora, e ela por sua vez gostou muito dele.
Era tão esperto! Escuta! Queres levar-me ao palácio?
     - Ah! Isso é fácil de dizer, mas por a ideia em prática...é outra coisa! Em todo o caso, vou falar com a minha noiva: talvez ela ache um meio de te introduzir lá dentro; mas torno a prevenir que jamais ... jamais entrou naquele palácio.
Quando ... lá ...
- Veremos se é possível. Vamos, que o palácio não fica longe daqui. Ficarás esperando no portão.
 Lá se foi ..., e só voltou ao cair da noite.
Minha noiva envia-te muitos cumprimentos, e este pãozinho, que tirou da cozinha para ti. Lá havia tanto, tanto pão! ... Agora quanto a te apresentares no palácio- nem pensar nisso! ..., e os guardas recamados de prata, e os lacaios vestidos de brocado não o consentiriam. É impossível! Mas espera, não chores assim: entrarás de qualquer maneira. Minha noiva, que faria tudo para me ser agradável, conhece uma escada de serviço, que vai ter ao quarto de dormir, e ela sabe onde está  a chave.
 ... conduziu ... pela grande alameda da entrada; e assim como caíam s folhas das árvores, uma por uma, assim também as luzes da fachada do palácio foram-se apagando, uma por uma. E quando tudo ficou às escuras, ... levou ... ara uma porta baixa, que estava entreaberta.
... quem estava lá dentro.  ... Aquilo que ... dissera -cabelos compridos e brilhantes, olhos vivos e inteligentes, língua desembaraçada- não podia referir-se senão a ....
Subiram a escada; no patamar ardia uma pequena lanterna sobre um móvel. 
Queres levar a lanterna? Podes seguir-me sem receio: não encontraremos ninguém.
    - Mas parece-me que vem alguém atrás de nós- disse ....
   É que na parede apareciam sombras estranhas: cavalos de crinas compridas e pernas delgada, caçadores, cavaleiros e amazonas elegantes.
    - Ah! São os sonhos - explicou .... - Levam os pensamentos de Suas Altezas para as suas correrias e caçadas. E é melhor assim: não acordarão facilmente, e poderás contemplá-los mais de perto. Espero agora que, quando lhes tiveres caído em graça, e te encherem de honras, não te esqueças de nos mostrar um coração generoso.
Entraram em uma sala, cujas paredes eram forradas de cetim róseo, todo bordado de flores. Os sonhos também passaram por ali, e voltavam a galope; mas iam tão depressa que não chegou a ver os pensamentos de Suas Altezas, que eles levavam, que eles levavam. Entraram depois em outra sala, e em outra ainda, e cada qual mais magnificente. Era para desorientar qualquer pessoa, todo aquele luxo prodigioso. Mas apenas lhes deitava um rápido olhar: ...
Chegaram por fim ao quarto de dormir. O teto, todo de cristal, formava uma grande coroa de folhas de palmeira. No meio erguia-se uma grossa haste de ouro maciço, que sustentava dois leitos, em forma de lírios: um branco, onde repousa a princesa, o outro cor de fogo, que era o do príncipe. ... aproximou-se deste,  ... Levantou uma das pétalas cor de fogo, que abaixavam de noite, para abrigar o príncipe, e viu-lhe  a nuca: mas o rosto não pode ver, por que ele o tapava com os braços. 
... mantendo a lanterna erguida, para que ele ... visse ao abrir os olhos. Os fantasmas do sonho voltaram a todo o galope, trazendo o espírito do moço, que despertou o ergueu a cabeça.
...
 Contudo não deixava o príncipe de ser também um belo rapaz. Nisto a princesa também ergueu a cabeça, lá no seu leito de lírio branco e perguntou quem estava ali. 
- Coitadinha! - disseram ambos ao mesmo tempo. Louvaram então o procedimento ..., e disseram que não estavam zangados com eles, apesar de terem infringido todas as regras da etiqueta: mas que não tornassem a fazer coisa semelhante: tais liberdades não eram permitidas no castelo; mas daquela vez tinham até merecido uma recompensa. E perguntaram-lhes:
    - Que preferem vocês? Um campanário velho, para nele morarem sozinhos, ou uma nomeação para a Côrte, onde ficarão, elevados à dignidades ... da câmara real- o que lhes dará direito a todos os restos da mesa?
   ... inclinaram  a cabeça, em sinal de reconhecimento, e optaram pelo emprego fixo:
...
    Sim: mais valia alguma coisa segura ..., do que a liberdade!
    O príncipe fez o que no momento podia em benefício de ...: abandonou seu leito, para que ... dormisse ali. E ..., disse:
    - ... Como ... os homens são bondosos comigo!
    De manhã vestiram-na de veludo e sedas, dos pés à cabeça. A princesa convidou-a para ficar morando no castelo, onde viveria em contínuas festas: mas não aceitou: pediu que lhe dessem apenas um carrinho e um cavalo, e também um par de botinas, pois seu único desejo era continuar em busca de ... pelo vasto mundo.
    Recebeu lindas botinas, e também um regalo de pele, para abrigar as mãos; e ficou linda, com o vestido novo. Quando desceu  para continuar a viagem achou no pátio um carro flamejante, todo de ouro, que a esperava à porta. Tinha gravadas as armas dos príncipes. A caixa do carro estava cheia de biscoitos, frutas, bolos de gengibre e passas. o cocheiro, o lacaio e o batedor- porque havia até um batedor - todos tinham uniforme bordado de ouro e coroas de ouro à cabeça.
    O príncipe e a princesa em pessoa, ajudaram ... a subir para o carro, e desejaram-lhe boa viagem, com muita gentileza e bondade. ...
   - Adeus! Adeus! - diziam o príncipe e a princesa.



  Andaram assim três léguas, e então ..., até perder de vista o carro, que resplandecia como um sol de verdade.


   V- UM CORAÇÃO CAPRICHOSO

     Iam atravessando uma floresta sombria, mas via-se bem o caminho, graças aos reflexos que despedia a carruagem. A luz era tanta que atraiu um bando de ladrões: precipitaram-se para o carro, como moscas engodadas por uma chama.
    - Mas é ouro! É ouro puro! - gritava eles.
    Apoderaram-se do carro e dos cavalos e mataram o cocheiro, o lacaio e o batedor.
...
 - Quero ir de carro! - disse a filha do ladrão.
    E foi preciso deixá-la fazer o que queria: era teimosa e autoritária, estragada pelos mimos que lhe davam todos. Subiu pois para o carro e lá se foram correndo, saltando por cima de troncos caídos e pedras soltas, por dentro do mato. 
...

Chegaram enfim ao pátio de um castelo meio arruinado, que servia de esconderijo aos ladrões. Das fendas das paredes saíam voando corvos e outras aves de rapina. Enormes buldogues, capazes de devorar um homem, vieram correndo ao encontro do carro; tinham o ar feroz, e saltavam em roda ...; mas aqueles cães não ladravam: isso não lhes era permitido.
    Na grande sala toda escalavrada (Cuja superfície está arruinada, esburacada (parede escalavrada):. ardia uma fogueira sobre as lajes do pavimento; a fumaça subia para o teto em busca de saída - porque não havia chaminé - e rebojava toda, enchendo o enorme salão e escapando enfim por onde podia. No meio da fogueira fervia um caldeirão de sopa, e ao redor dele douravam ao calor do fogo lebres e coelhos, seguros em espetos.


VII- O CASTELO DA RAINHA DAS NEVES

De repente avistou um cavalo magnífico, que reconheceu imediatamente: era um dos que ... conduziram no carro de ouro! Montada nele vinha uma moça, com um gorro vermelho. Do arção da sela pendiam duas pistolas. Era aquela menina da quadrilha de ladrões. Cansada da vida que levava na floresta, partira para o Norte; se não lhe agradasse o lugar, ora! iria para outro rumo! Visitaria outros países.
... e, para mudar de assunto, pediu-lhe notícias do príncipe e da princesa.
 - Andam viajando pelo estrangeiro.



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