Pediu o espelho - tire-me daqui! Estou sempre a ver, vejo tudo... Esta sala está cheia coisas! Esta sala sem espaços, sem vazios... Sem largueza... Que assim magoa os meus olhos de vidro...!
Depois falou o espelho:
- Eu estava num palácio e em frente de mim havia espaço, espaço e espaço. E o chão era de mármore liso e brilhante. E eu estava no fundo de uma galeria silenciosa e solitária. E contemplava o mudar das horas do dia. Vi os reis e as rainhas pálidos no dia da coroação, com suas coroas cintilantes e pesadas. Vi os ministros, os conselheiros, e os homens importantes com seu nariz comprido, a sua cara de caso e o seu ar solicito. E vi as namoradas de vestido branco que nas noites de bailes fugiam um instante para a galeria solitária. Elas deslizavam rápidas e leves negando sempre a flor que lhes pediam. E vi as multidões das revoluções que passavam, desesperadamente, partindo tudo, à procura de justiça. Vi, vi, vi.
Eu sou um espelho; passei toda a minha vida a ver. As imagens entraram todas dentro de mim. Vi, vi, vi. E agora estou nesta sala onde não há um lugar onde os meus olhos de vidro descansem. Tira-me daqui e põe-me em frente de uma parede branca, nua e lisa.
Disse o espelho - peço-te que tires da minha frente aquela bailarina de Saxe. Estou farto de a ver o dia inteiro sempre com o pé no ar em posição de desequilíbrio. Os meus olhos de vidro não têm pálpebras. Só as noites são as minhas pálpebras. Mas durante o dia nunca posso fechar os olhos. E estou cansadíssimo de passar os dias a ver uma bailarina com o pé no ar.
A bailarina estava numa prateleira em frente do espelho. Pegou nela e pô-la no outro lado da sala, em cima da cômoda, de maneira a que o espelho não a visse.
- Obrigado - Disse o espelho.
Sou, como já sabes, um espelho antiqüíssimo. Há séculos que todas as meninas querem saber se haverá no mundo alguém mais bonito do que elas. Vê-te bem. És muito bonita, mas há uma coisa muito mais bonita do que tu.
Uma parede branca, nua e lisa.
Ainda bem – disse o espelho. Mais não imaginas a quantidade de meninas que pelos séculos fora se olharem nos meus olhos de vidro e disseram: “Acho-me linda”!
Ele passa o dia em frente de mim, a ver-se em mim e a dizer: “É um cabelo lindo”. E eu já não o posso olhar.
O espelho disse-me que havia uma parede branca que era ainda mais bonita do que eu.
- Os espelhos são uns sonhadores, estão sempre a imaginar o que não vêem. És muito mais bonita do que uma parede.
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